Se existe algo de mal-dito
que seja isso combatido
Exorcizado
Com tudo de colonial
Contudo de-colonial

Para que enfim se grite

Se entoe 
Os cânticos da liberdade

VHFRO <3
Para quem é o teatro?  Quem o assiste? Copacabana, 2015, ao entrar no lugar em que ia assistir a peça Maria do Caritó, dirigida por João Fonseca, percebi que eu era uma das poucas pessoas negras que estavam naquele lugar. Não sei se muitos notaram, mas quase todas/os funcionárias/os do teatro eram pessoas negras. Aliás, para dar um ar dos colonialíssimos séculos XIX e XX, as/os funcionárias/os vestiam umas roupas que lembravam um pouco concièrges, ou algo que traduzo aqui como um uniforme vermelho e amarelo ouro, com aparência de chique. 
Na verdade, o que revelam essas vestes? Elas serviam mais para expor de modo ridículo aquelas/es que trabalham e agradar às vistas de uma aristocracia, também qualificada como branca e senhorial, que habitava a sua zona de conforto, em pleno século XXI, a famigerada selva de frequência na arte só para acariciar o status quo e seus egos. Nem tinha começado a peça e eu já estava bem mal.
A partir daqui vá gradando sua velocidade de leitura a cada sinal. A apreensão sobe a cada sinal. Ou não. Se quiser, aumente a intensidade da sua voz. Leia em voz alta, mas vá aumentando. Ou não me siga. Faça uma leitura dramática deste parágrafo que segue. Faça o que quiser.  Brinque. Dê seu tom para o texto. O racismo é politonal. Cuidado! Pode não ser divertido.
Sentei num lugar horrível. Pensei na prática de costume em muitos teatros. Aguardar o terceiro sinal e portas fechadas para escolher um lugar melhor. Primeiro sinal. Fiquei refletindo sobre as pessoas negras com lanternas que conduziam o respeitável senhor público (muito branco) aos seus lugares. Segundo sinal. Levantei para checar possíveis lugares para fazer minha migração e percebi o quão branca era a plateia. Terceiro sinal. Me levantei e fui. O racismo, de vez em quando, é um gesto. O racismo é um gesto. Um gesto. Me aproximei do senhor idoso, cabelos tão brancos quanto a sua pele. – Senhor, posso me sentar aqui?. Ele hesitou.
Hesitar: do latim haesitare. Classe gramatical: verbo intransitivo, verbo transitivo direto e verbo transitivo indireto. Tipo do verbo hesitar: regular. Separação das sílabas: he-si-tar. Significados de Hesitar: (v.t.i. e v.i.) - Vacilar; não ter certeza; demonstrar indecisão; permanecer em estado irresoluto. Exemplo: ele hesitava entre ele poder se sentar ao seu lado ou não; (v.t.d. e v.t.i.) - Duvidar; expressar dúvida em relação a alguma coisa; demonstrar insegurança. Exemplo: Ele hesitou o fato de deixar o rapaz negro sentar-se ao seu lado no lugar que estava vazio após o terceiro sinal. Exemplo (com esperança na revolução, no antirracismo): não hesitou em deixar que o menino se sentasse ao seu lado no lugar que estava vazio após o terceiro sinal e ninguém mais iria chegar; (v.t.i. e v.i.) - Gaguejar; expressar-se de modo confuso; ter muita dificuldade para se expressar. Exemplo: hesitava no discurso; respondia hesitando. Hesitar é sinônimo de: esbambear, titubar, trepidar, tropeçar, trastejar, flutuar, vacilar, duvidar, desconfiar, oscilar, balançar, titubear, recear, testavilhar, tremular. (Fonte: https://www.dicio.com.br/hesitar/ , acessado em 22 de janeiro de 2017, às 12:01.)
Ele hesitou. Hele esitou, ops. Ele hesitou tanto. Isso nos diversos significados de hesitar. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesi-tou. Ele he-si-tou. Ele hesitou. E-l-e h-e-s-i-t-o-u. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesi-tou. Ele he-si-tou. Ele hesitou. E-l-e h-e-s-i-t-o-u. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. . Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou. Ele hesitou... (continua há de infinto, ad infinitum) (foi tanto que não cabe em páginas o tanto que ele hesitou).
Ele hesitou tanto (vide acima e vide o infinito e infinitivo de hesitar). Ele hesitou tanto que eu nunca tive tanta dificuldade de entender um sim. Quando me sentei, ele retirou como que de súbito, o seu braço de perto do meu. Quando me sentei, ele retirou como que de súbito. Quando me sentei, ele retirou. Quando me sentei. Quando me. Quando. Quan. Qua. Qu. Q.
            Quando me sentei, o racismo fez um gesto. Eu que já me aventurei, me debrucei em estudar o movimento e suas linguagens, o gesto, o gestus, a Gestalt, os (des)sentidos. Eu ressentido percebi que aquilo não-dito, aquilo nem-dito era  ‘gestus’, um gesto, indigesto, de racismo, do racismo. Esse mal-dito. Mal-dito gesto. Mal-dito.
            Foi a pior peça que já assisti, não pela peça, mas por aquilo que me acontece, a experiência do preconceito, do racismo. Fui marcado a ferro e fogo. A cicatriz é latente. Ela treme. Ela emerge. Aquilo que nos acontece e que nos atravessa pode vir do pior, do não-dito, do mal-dito. Foi o pior lugar que escolhi para (não) assistir uma peça. Eu fui privado do direito de fruir. Do direito de que aquilo que poderia me acontecer, me acontecesse. Naquela cadeira eu quis gritar a todo tempo, o tempo-todo. Aquele teatro me engolia. Em luz... sombra... e silêncio. Meu grito ficou ali calado, recolhido na cadeira, afundado na cadeira, no não-querer ser-estar, no não-querer existir. No aplauso, eu não aplaudi. Eu hesitei. Dentro de mim era dor (som) e fúria.


O racismo vai ao teatro. O racismo se senta nas cadeiras. O racismo assiste. O racismo aplaude. O racismo, quando não, até espera o terceiro sinal. O racismo se manifesta. O racismo se infesta. O racismo-infecção. O racismo antibiose. O racismo antibiótico. O racismo, esse, MAL-DITO!

Por: VHFRO

P.s: Este é um trecho-excerto do meu TCC que está em processo de nascimento.