Foto criminosa de tribo isolada na Amazônia - Reprodução
Não sei se leu por aí que deu no jornal, pretinha. Que realmente não era atrás das índias orientais que iam em busca. Deu outro dia na tevê aberta. Que ficou depois de mais uma vez atentarem contra a nossa história maior que temos. Foi assim, disseram que fomos descobertos, de repente, num lugar onde já tinham padres desenhando nossos ancestrais e parentes. Numa terra que dava ouro na flor da pele e trocariam tudo por espelhos. Tipo eram umas pessoas brancas falando isso lá manifestação cor de verde, amarelo e azul marinho com sal de sangue de preto. Eu ouvi de uma senhora que lembrava a minha avó dizer que se não fossem os patrões dela, ela estaria com fome. Lembrei da professora branca, prima de um chefão de estado na época, que disse que nessa terra tinha muito pau que se chamava Brasil e era tantos que decidiram pegar tudo porque tinham afinal descoberto essa terra aí que vemos a perder de vista. Mas, lá no jornal foi notícia depois de estourarem serras e corpos pelo metal mais caro por quinhentos e tantos anos. Que não queriam as índias do oriente e sim estuprarem as novas índias ocidentais. Quer dizer, mudaram o nome de estupro pra miscigenação. E disseram que já tinham índios quando queriam invadir, quer dizer, ocupar. Foi assim gata, falaram que era por uma tal de história, descobriram que isso aqui tudo já tinham uns donos. E eles andavam pelados e tinham a pele como Negús, aquele lá da bíblia que foi amaldiçoado. É, todo seu descendente deveria ser escravo. Te juro pretinha. Foi assim que excluíram nossa história no jornal...

ugh ugh ro ro

- Véi, (ugh) essa era da boa hein?!

- Tu que tava de viajem errada.

(...)

- Ei, moça. Quanto é a passagem?

- É cinco.

- Moça, a gente tava ali conversando e levaram nossas identidades. Eram tipo uns cara branco armado, tavam de caravelas. Sabe, aqueles carros de bandido?! Tinham uns números dos lados. Eles tinham umas letras bem grandes. Eram muitos. Disseram que minha mão tava com cheiro.

- hmmmm, tipico.

- Moça, que ano é esse?

- Dois mil e dezessete, ué, porque?

- Porque a esse preço eu pensei que fosse em mil quinhentos.


Dois cartões, cada um é depositado nas suas roletas. A catraca fez traaac seco. Passaram. Desceram deixando a esquerda livre. Bem rápido porque o trem do metrô já vinha parando. Correram. Era o se perder não teria o das onze. Entraram, mais lotado que o de costume. E colados num canto, janela de um lado belos prédios do outro favela. Era a linha insegura que separa os sonhos da realidade. Ela se sentia segura e ele com medo. E era como se um segurasse o mundo um do outro. E tiveram um beijo que foi como se tivessem pedido pra aumentar as luzes e a música da cidade. Como se tudo ali não importasse. Mão no peito dele. Mão no rosto dela. Carinho intenso e beijos molhados. Seria um tormento aquilo se não fosse com ela. Ele viajava.

O condutor anuncia fim de linha, param. Portas se abrem. Saem. Calor forte. Saída com entrada pro mundo em que não falaram no jornal. Caos quente a pouca luz. Mãos dadas. E caminho silencioso até em casa. Porta abre, entram. Fecha incomodando a vizinhança. Luzes se ascendem. O breu agora dá forma a uma sala desarrumada e alguns desejos.

Suor, corpos e vida. Se encontram em portas fechadas. E o mundo parece parar de girar. Com todas as roupas jogadas no chão até o tapete. A luz que ilumina vez ou outra a da lua e quase sempre dos giro flex. Ambulâncias, viaturas. Tudo abafado ao som do love sex. À peruana na intensa troca. Como reclamar dessas luzes que refletem no corpo dela? O corpo que envolve. A pele preta que reflete. O suingue leve e intenso. Sorrisos e malícias no encaixar perfeito dos corpos num silêncio temporário onde o que se escuta é o entrelaçar dos corpos. O aprofundar de lábios em língua e dedos. O versificar de um ai.

Do chão ao sofá rastros de pudores desmascarados. De pernas que travam ouvidos. Ouvidos que entendem o caminho. Caminhos que se inundam e trazem o melhor sabor do corpo. Compartilhado em beijos e espalhado entre os corpos. Os poros expostos das unhas nas costas. E os cabelos na mão dela. O gozo na barba dele. E tantos beijos e trocas de gemidos sacanas. De canto na parede, no braço do sofá. E dois dedos deliram-na. E de suaves a extensos movimentos. Forte e calmo, rápido e louco. Intenso. E quase tremendo. Mãos por todos os corpos percorrendo. Sentados no sofá. Lá fora o mundo não para, tiros e pneus queimando. Ali dentro dois corpos em pura combustão carnal. De novo parece o mundo todo parar quando os olhos dela reviram.

Sol nascendo na janela do trem. E... Será que isso um dia vai acabar ou virar algo? Sei que ela só me quer pra tapar as lacunas do namorado branco dela. Mas é tão bom. O sorriso dela, o beijo dela, a voz dela. Pior que o sexo nem é mais o mais importante agora. Pior que ela prefere que a chame de morena...


Maluco Sonhador.
Sheyden AfroIndígena.