23.10.2016


Você deixa no ar um cheiro tóxico e no seu corpo deveria estar gravado algum pictograma de perigo indicando o que você pode causar aos outros. Mas não, você não é cigarro, que vem com aviso na embalagem.

E, mesmo que fosse cigarro, ainda sim eu teria te incendiado e feito meu sangue te carregar pelo meu corpo. Eu sei que eu admiraria suas curvas que sumiriam pelo ar. Eu te convidaria para as noites de calma. Eu faria pausas no meu trabalho para conversar com você. Eu te pediria a qualquer desconhecido na rua.

Se você fosse cigarro, eu te degustaria e encobriria seu gosto com uma balinha de 10 centavos, para que não notassem seus resíduos em mim. Eu juro que teria a audácia de te acender após o fim de uma combustão com outra pessoa, a faria te saborear também e encerraríamos a noite com o teu gosto na boca. E falando do teu gosto, que me arranha a garganta, eu reclamaria dele mas cortaria parte do filtro para senti-lo com maior intensidade.


Você seria o Derby que eu critico fervorosamente, mas que vez ou outra deixo embalar minha tarde e, nem sempre por falta de opção. Se você fosse cigarro eu tossiria com escárnio e lançaria seus restos em qualquer lugar. Eu te apertaria entre os dedos e questionaria a sua aparência frágil que se tornaria mais forte que eu.


Eu não admitiria a minha dependência química da tua existência, diria que é apenas por prazer. Eu não aceitaria a reputação de viciada, porque você seria apenas um mau hábito.
Que bom que você não é cigarro. Mas você ainda me causa infinitos danos e pensando melhor, que pena você não ser cigarro, seria mais fácil achar um grupo de terapia para suprir a abstinência da droga que você é.



Ester Bessa