25.11.2016

Não é literatura. Não é estética. Não é hipérbole ou outra figura de linguagem. E não se trata de querer dar um tom poético aos problemas de ansiedade — e talvez outras coisas desconhecidas — mas é que minha única fuga é a escrita e as vezes ela funciona, quem sabe, acima de tudo, hoje seja um desses dias de sorte. Eu estou definitivamente surtando e posso sentir mais uma vez que estou me afastando de tudo e paralisando uma vida para entender o que é vida e compreender o que sou. Mas em poucas semanas eu me perco em mim novamente e já não reconheço meu rosto. 
Eu estou bem. Eu estou bem. Garanto que estou bem. Eu não estou bem. Não estou nada bem. Mas eu prometo que quero estar bem. Eu juro que estou me esforçando para ficar bem. 
Mas na verdade eu nem sei o que é estar bem. Me disseram esses dias sobre a sensação de encerrar uma semana inteira estando equilibrada, sem a presença do sentimento de estranheza e desconexão. Eu não conheço essa sensação e se já conheci, me certifico de que as sequelas da vida se encarregaram de apagar a lembrança. Eu mal sei o que é completar um dia estando bem comigo mesma.
Eu sinto que a cada dia tomo uma forma interna mais distinta do meu corpo e a cada dia sinto que me encaixo menos em mim. Como se minha pele repuxasse, meu corpo começasse a sofrer mudanças ruins para continuar mantendo esse interno que parece exalar algo podre o tempo i n t e i r o. Como se eu tivesse limpado todos os cômodos da casa mas esquecido de colocar o lixo pra fora. E há quanto tempo esse lixo está aí? Semanas? Meses? Anos?
Eu pensei em buscar ajuda profissional. Juro que pensei. Eu queria reverter essa situação eu queria me sentir bem comigo mesma e eu quero isso há tanto tempo e já tentei tantas coisas. Eu vou buscar ajuda, mas é que antes eu preciso cuidar das plantas. Preciso pagar aquele boleto. Preciso ir no mercado. Sempre tem algo de aparência mais necessária porque não considero de extrema importância nada que faça parte de mim.
E as pessoas dizem que posso contar com elas, mas os celulares nunca atendem, os pontinhos verdes simbolizando disponibilidade nas redes sociais nunca estão quando eu preciso e não é culpa delas, não é culpa de ninguém. E não quero que elas se sintam mal por estarem ausentes nesses momentos, por isso prefiro que não digam que estarão lá para me ajudar. Desencontros são normais, mas são tão comuns que me assustam.
Eu tento explicar para as pessoas que eu me esforço, mas elas parecem nunca estarem satisfeitas com os meus poucos progressos e isso sempre me faz regredir e como dói. Como dói fechar a janela depois de tanta dificuldade pra levantar da cama e abrir ela.
Eu não quero me sentir doente mas eu sei que eu estou, e assim como todas as outras minhas doenças eu estou tentando só arquivar. Costumo fingir que é tudo superficial e que nada ultrapassará minha pele para me atingir na essência. Só que dessa vez não são arranhões na epiderme, está mais para órgãos vitais dilacerados. E eu não me sinto viva mas também não sei há quanto tempo morri. Uma carcaça solta por aí não deveria carregar tantos problemas, principalmente por ser fraca e corroída demais para suportá-los.[Ester Bessa]