Nós podemos ser o que quisermos.
Podemos ser belas, recatadas, do lar, do bar, desbocadas, putas, santas. Ter dado para nenhum, para um, para dez, para mil. Podemos inclusive dar só para um, para dez, para mil, para todos. E para todas. E para quem mais quisermos. Ao mesmo tempo ou em tempos espaçados. Isso é problema nosso. Só nosso.
Mas, o que nós temos de ser mesmo, é da luta.
Ser mulher é viver com medo: do estupro, do abuso, do assédio, do chefe, do assalto, do pai, do namorado, do xingamento, do transporte público (o qual muitos homens estendem o conceito de público aos nossos corpos), da rua e da ida ao banheiro sozinha, da vida. E quem teme cria para si mecanismos de defesa e sobrevivência. O mais forte que nós temos é a luta e é por isso que precisamos fazer parte dela.
Esse processo não tem que começar hoje, amanhã ou semana que vem. Tenho 24 anos e milito apenas há dois. Isso significa que eu precisei de 22 anos para entender o sistema que me cerca, como e quanto ele interfere em mim. Tudo tem o seu tempo, respeite o seu. Ao contrário do que pode parecer, eu não estou impondo nada a ninguém. Acontece que, uma vez dado o processo, esse mecanismo de defesa começa a urrar dentro de nós e é nesse momento que a luta nasce.
Lutar não significa necessariamente tomar às ruas (e balas de borracha na cara), ouvir bombas estourarem ao nosso lado, ou pior, ter de estar frente a frente com algumas das instituições mais machistas existentes: a dos oficiais. Lutar significa silenciar (no mínimo reprimir) o machismo. Quando um machista (seja uma pessoa, um ato ou situação) se manifesta, ele tem que se calar. E não nós. Não mais.
Ela começa nos pequenos atos, mas eles se reverberam nas grandes estruturas do patriarcado. Esse ano eu criei como meta podar ao máximo palavras que remetam às minorias de forma pejorativa. E isso é muito difícil. Sempre rola um filho da puta, puta que pariu, denegrir, esclarecer. Porém, o simples fato de me propor a essa limpa e me esforçar para sua concretização já é militar. Outro objetivo é de reduzir (com tendência a zero) essa competição entre mulheres que nos é imposta. Toda vez em que eu vou me referir de forma negativa a alguma mulher, eu me proponho a refletir sobre o porquê desse sentimento, se ele é ligado ao caráter dela ou a algum tipo de concorrência que possa existir entre nós.
Somos Eva, Maria Madalena, Joana D’arc, Dandara dos Palmares, Simone de Beauvoir, Frida Khalo, Marie Curie, Malala, Eliane Dias, Lea T. Somo as “Viúvas do Calvário”, todas as presas políticas que foram torturadas, mortas, desaparecidas. Somos luta.
A Karol Conka canta com majestade: “Justamente por ser mulher, e não ser uma qualquer, minha atitude carrega vitória, vou te lembrar disso sempre que eu puder”.

Por isso, caso você olhe para si e se reconheça como mulher, saiba que você carrega luta junto de si. A luta que defende a negra, a trans, a lésbica, a bissexual, a panssexual, a branca, a hétero, a cis e aquela que ainda não sabe quem é, não quer se definir ou não se encaixa em nenhuma definição. A luta que engloba todas nós.
Se hoje nós podemos ser o que quisermos, é graças à luta.
Milla Carolina